SONAMBULISMO – do lat. somnus, o sono e ambulare, andar, passear. Estado de emancipação da alma mais completo do que no sonho. O sonho é um sonambulismo imperfeito. No sonambulismo a lucidez da alma, isto é, a sua faculdade de ver, que é um dos atributos de sua natureza, é mais desenvolvida: ela vê as coisas com mais precisão e clareza; o corpo pode agir sob o impulso da vontade da alma.
O esquecimento absoluto no momento de despertar é um dos sinais característicos do verdadeiro sonambulismo, porque a independência da alma e do corpo é mais completa do que no sonho.
Sonambulismo magnético ou artificial é aquele que é provocado pela ação que uma pessoa exerce sobre outra, por meio do fluido magnético que derrama sobre esta.
Sonambulismo natural, o que é espontâneo e se produz sem provocação e sem a influência de um agente exterior. (Allan Kardec – Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas – Vocabulário Espírita – p. 33-34)
174. A lucidez sonambúlica é uma faculdade que se radica no organismo e que independe, em absoluto, da elevação, do adiantamento e mesmo do estado moral do indivíduo. Pode, pois, um sonâmbulo ser muito lúcido e ao mesmo tempo incapaz de resolver certas questões, desde que seu Espírito seja pouco adiantado. O que fala por si próprio pode, portanto, dizer coisas boas ou más, exatas ou falsas, demonstrar mais ou menos delicadeza e escrúpulo nos processos de que use, conforme o grau de elevação ou de inferioridade do seu próprio Espírito. (Allan Kardec – O Livro dos Médiuns – Segunda Parte – Capítulo XIV – p. 181)
RADICAR: arraigar, enraizar. [Definição do Dicionário Online do Google]
172. […] o Espírito que se comunica com um médium comum também o pode fazer com um sonâmbulo; dá-se mesmo que, muitas vezes, o estado de emancipação da alma facilita essa comunicação. Muitos sonâmbulos vêem perfeitamente os Espíritos e os descrevem com tanta precisão, como os médiuns videntes. Podem confabular com eles e transmitir-nos seus pensamentos. O que dizem, fora do âmbito de seus conhecimentos pessoais, lhes é com frequência sugerido por outros Espíritos. (Allan Kardec – O Livro dos Médiuns – Segunda Parte – Capítulo XIV – p.181)
Sendo de natureza diversa das que ocorrem no estado de vigília, as percepções que se verificam no estado sonambúlico não podem ser transmitidas pelos mesmos órgãos. É sabido que neste caso a visão não se efetua por meio dos olhos que, aliás, se conservam, em geral, fechados e que até podem ser abrigados dos raios luminosos, de maneira a afastar todo motivo de suspeita. Ao demais, a visão a distância e através dos corpos opacos exclui a possibilidade do uso dos órgãos ordinários da vista. Forçoso é, pois, se admita que no estado de sonambulismo um sentido novo se desenvolve, como sede de faculdades e de percepções novas, que desconhecemos e das quais não nos podemos aperceber, senão por analogia e pelo raciocínio. Bem se vê que nada de impossível há nisso; mas, qual a sede desse novo sentido? Não é fácil determiná-la com exatidão. Nem mesmo os sonâmbulos fornecem a tal respeito qualquer indicação precisa. Uns há que, para verem melhor, aplicam os objetos sobre o epigastro, outros sobre a fronte, outros no occipital. O sentido de que se trata não parece, portanto, circunscrito a um lugar determinado; é, todavia, certo que a sua maior atividade reside nos centros nervosos. O que é positivo é que o sonâmbulo vê. Por onde e como? É o que nem ele mesmo pode explicar.
Notemos, porém, que, no estado sonambúlico, os fenômenos da visão e as sensações que o acompanham são essencialmente diferentes do que se passa no estado ordinário, pelo que não nos serviremos do termo ver, senão por comparação e por nos faltar naturalmente um com que designemos uma coisa desconhecida. (Allan Kardec – Obras Póstumas – Causa e natureza da clarividência sonambúlica – p. 115-116)
OCCIPITAL: Osso que forma a parede posterior e inferior do crânio. [Definição do Dicionário Online de Português: Dicio]
435. Pode o sonâmbulo ver os outros Espíritos?
“A maioria deles os vê muito bem, dependendo do grau e da natureza da lucidez de cada um. É muito comum, porém, não perceberem, no primeiro momento, que estão vendo Espíritos e os tomarem por seres corpóreos. Isso acontece principalmente aos que, nada conhecendo do Espiritismo, ainda não compreendem a essência dos Espíritos. O fato os espanta e fá-los supor que têm diante da vista seres terrenos.”
Nota – O mesmo se dá com os que, tendo morrido, ainda se julgam vivos. Nenhuma alteração notando ao seu derredor e parecendo-lhes que os Espíritos têm corpos iguais aos nossos, tomam por corpos reais os corpos aparentes com que os mesmos Espíritos se lhes apresentam. (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 227)
428. Qual a causa da clarividência sonambúlica?
“Já o dissemos: é a alma que vê.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 225)
429. Como pode o sonâmbulo ver através dos corpos opacos?
“Não há corpos opacos senão para os vossos grosseiros órgãos. Já precedentemente não dissemos que a matéria nenhum obstáculo oferece ao Espírito, que livremente a atravessa? Frequentemente ouvis o sonâmbulo dizer que vê pela fronte, pelo punho etc., porque, achando-vos inteiramente presos à matéria, não compreendeis lhe seja possível ver sem o auxílio dos órgãos. Ele próprio, pelo desejo que manifestais, julga precisar dos órgãos. Se, porém, o deixásseis livre, compreenderia que vê por todas as partes do seu corpo, ou, melhor falando, que vê de fora do seu corpo.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 225)
430. Pois que a sua clarividência é a de sua alma ou de seu Espírito, por que o sonâmbulo não vê tudo e tantas vezes se engana?
“Primeiramente, aos Espíritos imperfeitos não é dado verem tudo e tudo saberem. Não ignoras que ainda partilham dos vossos erros e prejuízos. Depois, quando unidos à matéria, não gozam de todas as suas faculdades de Espírito. Deus outorgou ao homem a faculdade sonambúlica para fim útil e sério, não para que se informe do que não deva saber. Eis por que os sonâmbulos nem tudo podem dizer.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 226)
432. Como se explica a visão a distância em certos sonâmbulos?
“Durante o sono, a alma não se transporta? O mesmo se dá no sonambulismo.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 227)
436. O sonâmbulo que vê, a distância, vê do ponto em que se acha o seu corpo, ou do em que está sua alma?
“Por que esta pergunta, desde que sabes ser a alma quem vê e não o corpo?” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 227)
437. Posto que o que se dá, nos fenômenos sonambúlicos, é que a alma se transporta, como pode o sonâmbulo experimentar no corpo as sensações do frio e do calor existentes no lugar onde se acha sua alma, muitas vezes bem distante do seu invólucro?
“A alma, em tais casos, não tem deixado inteiramente o corpo; conserva-se-lhe presa pelo laço que os liga e que então desempenha o papel de condutor das sensações. Quando duas pessoas se comunicam de uma cidade para outra, por meio da eletricidade, esta constitui o laço que lhes liga os pensamentos. Daí vem que confabulam como se estivessem ao lado uma da outra.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 227-228)
Na visão a distância, o sonâmbulo não distingue um objeto ao longe, como o faríamos nós com o auxílio de uma luneta. Não é que o objeto, por uma ilusão de ótica, se aproxime dele, ELE É QUE SE APROXIMA DO OBJETO. O sonâmbulo vê o objeto exatamente como se este se achasse a seu lado; vê-se a si mesmo no lugar que ele observa; numa palavra: transporta-se para esse lugar. Seu corpo, no momento, parece extinto, a palavra lhe sai mais surda, o som da sua voz apresenta qualquer coisa de singular; a vida animal também parece que se lhe extingue; a vida espiritual está toda no lugar aonde o transporta o seu próprio pensamento: somente a matéria permanece onde estava. Há pois uma certa porção do ser que se lhe separa do corpo e se transporta instantaneamente através do espaço, conduzida pelo pensamento e pela vontade. Evidentemente, é imaterial essa porção; a não ser assim, produziria alguns dos efeitos que a matéria produz. É a essa parcela de nós mesmos que chamamos: a alma.
É a alma que confere ao sonâmbulo as maravilhosas faculdades de que ele goza. A alma é quem, dadas certas circunstâncias, se manifesta, isolando-se em parte e temporariamente do seu invólucro corpóreo. Para quem quer que haja observado com atenção os fenômenos do sonambulismo em toda a sua pureza, é patente a existência da alma, tornando-se-lhe uma insensatez demonstrada até à evidência a ideia de que tudo em nós acaba com a vida animal. Pode-se, pois, dizer com alguma razão que o magnetismo e o materialismo são incompatíveis. Se alguns magnetizadores se afastam desta regra e professam as doutrinas materialistas, é sem dúvida que se hão cingido a um estudo muito superficial dos fenômenos físicos do Magnetismo e não procuram seriamente a solução do problema da visão a distância. Como quer que seja, nunca vimos um único sonâmbulo que não se mostrasse penetrado de profundo sentimento religioso, fossem quais fossem suas opiniões no estado vígil. (Allan Kardec – Obras Póstumas – Causa e natureza da clarividência sonambúlica – p. 117-118)
455. […]
Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a psicologia. É aí que se pode estudar a alma, porque é onde esta se mostra a descoberto. Ora, um dos fenômenos que a caracterizam é o da clarividência independente dos órgãos ordinários da vista. Fundam-se os que contestam este fato em que o sonâmbulo nem sempre vê, e à vontade do experimentador, como com os olhos. […] A alma tem suas propriedades, como os olhos têm as suas. Cumpre julgá-las em si mesmas e não por analogia.
De uma causa única se originam a clarividência do sonâmbulo magnético e a do sonâmbulo natural. É um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós e cujos limites não são outros senão os assinados à própria alma. O sonâmbulo vê em todos os lugares em que sua alma possa transportar-se, qualquer que seja a longitude.
No caso de visão a distância, o sonâmbulo não vê as coisas de onde está o seu corpo, como por meio de um telescópio. Vê as presentes, como se se achasse no lugar onde elas existem, porque sua alma, em realidade, lá está. Por isso é que seu corpo fica como que aniquilado e privado de sensação, até que a alma volte a habitá-lo novamente. Essa separação parcial da alma e do corpo constitui um estado anormal, suscetível de duração mais ou menos longa, porém, não indefinida. Daí a fadiga que o corpo experimenta após certo tempo, mormente quando aquela se entrega a um trabalho ativo. (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 232-233)
433. O desenvolvimento maior ou menor da clarividência sonambúlica depende da organização física ou só da natureza do Espírito encarnado?
“De uma e outra. Há disposições físicas que permitem ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da matéria.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 227)
Quanto à questão proposta: — “Nos fenômenos espíritas ou sonambúlicos, qual o limite onde cessa a ação própria da alma e começa a dos Espíritos?” — diremos que semelhante limite não existe, ou, melhor, que nada tem de absoluto. Desde que não há espécies distintas, que a alma é apenas um Espírito encarnado, e o Espírito apenas uma alma desprendida dos liames terrenos; que uma e outro são um mesmo ser em meios diferentes, as faculdades e aptidões têm que ser as mesmas. O sonambulismo é um estado transitório entre a encarnação e a desencarnação, um estado de desprendimento parcial, um pé antecipadamente posto no mundo espiritual.
A alma encarnada, ou, se o preferirem o próprio Espírito do sonâmbulo ou do médium, pode, portanto, fazer quase o que fará a alma desencarnada e até mais, se for mais adiantado, com a única diferença, todavia, de que, estando mais livre pelo seu desprendimento completo, a alma tem percepções especiais inerentes ao seu estado. (Allan Kardec – Obras Póstumas – Causa e natureza da clarividência sonambúlica – p. 113)
426. O chamado sonambulismo magnético tem alguma relação com o sonambulismo natural?
“É a mesma coisa, com a só diferença de ser provocado.”
427. De que natureza é o agente que se chama fluido magnético?
“Fluido vital, eletricidade animalizada, que são modificações do fluido universal.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VII – p. 224-225)
O fluido magnético não é a alma; é um liame, um intermediário entre a alma e o corpo. Atuando mais ou menos sobre a matéria é que ele torna mais ou menos livre a alma, donde a diversidade das faculdades sonambúlicas. O sonâmbulo é o homem despojado apenas de uma parte das suas vestiduras e cujos movimentos são embaraçados pelo que lhe resta dessas vestiduras.
Somente quando tem alijado de si os últimos restos da ganga terrena, como a borboleta que abandona a sua crisálida, encontra-se a alma na plenitude de si mesma e goza de liberdade completa no uso de suas faculdades. Se houvesse um magnetizador bastante poderoso para dar liberdade absoluta à alma, romper-se-ia o liame terrestre e a morte imediata se seguiria. O sonambulismo, portanto, fez que puséssemos o pé na vida futura; ergueu uma ponta do véu sob que se ocultam as verdades que o Espiritismo nos faz hoje entrever. Não na conheceremos, todavia, em sua essência, senão quando nos houvermos desembaraçado por completo da cobertura material que neste mundo a obscurece. (Allan Kardec – Obras Póstumas – Causa e natureza da clarividência sonambúlica – p. 120)
455. Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa exterior conhecida. Em certas pessoas dotadas de especial organização, porém, podem ser provocados artificialmente, pela ação do agente magnético.
O estado que se designa pelo nome de sonambulismo magnético apenas difere do sonambulismo natural em que um é provocado, enquanto o outro é espontâneo. (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 231)
434. As faculdades de que goza o sonâmbulo são as que tem o Espírito depois da morte?
“Somente até certo ponto, pois cumpre se atenda à influência da matéria a que ainda se acha ligado.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 227)
438. O uso que um sonâmbulo faz da sua faculdade influi no estado do seu Espírito depois da morte?
“Muito, como o bom ou mau uso que o homem faz de todas as faculdades com que Deus o dotou.” (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 228)
425. O sonambulismo natural tem alguma relação com os sonhos? Como explicá-lo?
“É um estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito.
Nota – No sonambulismo, o Espírito está na posse plena de si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões exteriores. Esse estado se apresenta principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável à matéria. Quando se produzem os fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com uma coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para cuja prática necessita de utilizar-se do corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto material no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo como se utiliza da mão do médium nas comunicações escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos, inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem imperfeitamente as impressões produzidas por objetos ou causas externas e as comunicam ao Espírito, que, então, também em repouso, só experimenta, do que lhe é transmitido, sensações confusas e, amiúde, desordenadas, sem nenhuma aparente razão de ser, mescladas que se apresentam de vagas recordações, quer da existência atual, quer de anteriores. Facilmente, portanto, se compreende por que os sonâmbulos nenhuma lembrança guardam do que se passou quando estiveram no estado sonambúlico e por que os sonhos, de que se conserva memória, as mais das vezes não têm sentido. Digo — as mais das vezes, porque também sucede serem a consequência de lembrança exata de acontecimentos de uma vida anterior e até, não raro, uma espécie de intuição do futuro. (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 224-225)
431. Qual a origem das ideias inatas do sonâmbulo e como pode falar com exatidão de coisas que ignora quando desperto, de coisas que estão mesmo acima de sua capacidade intelectual?
“É que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do que os que lhe supões. Apenas, tais conhecimentos dormitam, porque, por demasiado imperfeito, seu invólucro corporal não lhe consente rememorá-lo. Que é, afinal, um sonâmbulo? Espírito, como nós, e que se encontra encarnado na matéria para cumprir a sua missão, despertando dessa letargia quando cai em estado sonambúlico. Já te temos dito, repetidamente, que vivemos muitas vezes. Esta mudança é que, ao sonâmbulo, como a qualquer Espírito, ocasiona a perda material do que haja aprendido em precedente existência. Entrando no estado que chamas crise, lembra-se do que sabe, mas sempre de modo incompleto. Sabe, mas não poderia dizer donde lhe vem o que sabe, nem como possui os conhecimentos que revela. Passada a crise, toda recordação se apaga e ele volve à obscuridade.”
Nota – Mostra a experiência que os sonâmbulos também recebem comunicações de outros Espíritos, que lhes transmitem o que devam dizer e suprem à incapacidade que denotam. Isto se verifica principalmente nas prescrições médicas. O Espírito do sonâmbulo vê o mal, outro lhe indica o remédio. Essa dupla ação é às vezes patente e se revela, além disso, por estas expressões muito frequentes: dizem-me que diga, ou proíbem-me que diga tal coisa. Neste último caso, há sempre perigo em insistir-se por uma revelação negada, porque se dá azo a que intervenham Espíritos levianos, que falam de tudo sem escrúpulo e sem se importarem com a verdade. (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 226)
Nota – […]
O que se passou neste fato isolado [sono sonambúlico], pelo espaço de alguns minutos, durante a breve excursão que o Espírito da moça realizou pelo mundo espiritual, é análogo ao que se dá no intervalo de uma existência a outra, quando o Espírito que encarna possui luzes sobre um assunto qualquer. Ele se apropria sem dificuldade de todas as ideias referentes a esse assunto, se bem que, como homem, não se recorde da maneira por que as adquiriu. Ao contrário, as ideias, para cuja assimilação ainda não se acha maduro, dificilmente lhe entram no cérebro.
Assim se explica a facilidade com que certas pessoas assimilam as ideias espíritas. Em tais pessoas, essas ideias nada mais fazem que despertar as que já elas possuíam. As criaturas a que nos referimos são espíritas de nascença, como outros são poetas, músicos ou matemáticos. Logo às primeiras palavras, compreendem e não necessitam de fatos materiais para se convencerem. É, não há duvidar, um sinal de adiantamento moral e de desenvolvimento espiritual. (Allan Kardec – Obras Póstumas – A música celeste – p. 213-214)
455. […]
A vista da alma ou do Espírito não é circunscrita e não tem sede determinada. Eis por que os sonâmbulos não lhe podem marcar órgão especial. Veem porque veem, sem saberem o motivo nem o modo, uma vez que, para eles, na condição de Espíritos, a vista carece de foco próprio. Se se reportam ao corpo, esse foco lhes parece estar nos centros em que maior é a atividade vital, principalmente no cérebro, na região do epigástrio, ou no órgão que considerem o ponto de ligação mais forte entre o Espírito e o corpo.
O poder da lucidez sonambúlica não é ilimitado. O Espírito, mesmo quando completamente livre, tem restringidos seus conhecimentos e faculdades, conforme o grau de perfeição que haja alcançado. Ainda mais restringidos os tem quando ligado à matéria, a cuja influência está sujeito. É o que motiva não ser universal, nem infalível, a clarividência sonambúlica. E tanto menos se pode contar com a sua infalibilidade, quanto mais desviada seja do fim visado pela natureza e transformada em objeto de curiosidade e de experimentação.
No estado de desprendimento em que fica colocado, o Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil com os outros Espíritos encarnados ou não encarnados, comunicação que se estabelece pelo contato dos fluidos, que compõem os perispíritos e servem de transmissão ao pensamento, como o fio elétrico. O sonâmbulo não precisa, portanto, que se lhe exprimam os pensamentos por meio da palavra articulada. Ele os sente e adivinha. É o que o torna eminentemente impressionável e sujeito às influências da atmosfera moral que o envolva.
Essa também a razão por que uma assistência muito numerosa e a presença de curiosos mais ou menos malevolentes lhe prejudicam de modo essencial o desenvolvimento das faculdades que, por assim dizer, se contraem, só se desdobrando com toda a liberdade num meio íntimo ou simpático. A presença de pessoas mal-intencionadas ou antipáticas lhe produz efeito idêntico ao do contato da mão na sensitiva.
O sonâmbulo vê ao mesmo tempo o seu próprio Espírito e o seu corpo, os quais constituem, por assim dizer, dois seres que lhe representam a dupla existência corpórea e espiritual, existências que, entretanto, se confundem, mediante os laços que as unem. Nem sempre o sonâmbulo se apercebe de tal situação e essa dualidade faz que muitas vezes fale de si, como se falasse de outra pessoa. É que ora é o ser corpóreo que fala ao ser espiritual, ora é este que fala àquele.
Em cada uma de suas existências corporais, o Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência. Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira, porém, deles se recorda como Espírito. Assim é que certos sonâmbulos revelam conhecimentos acima do grau da instrução que possuem e mesmo superiores às suas aparentes capacidades intelectuais. Portanto, da inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo, quando desperto, nada se pode inferir com relação aos conhecimentos que porventura revele no estado de lucidez. Conforme as circunstâncias e o fim que se tenha em vista, ele os pode haurir da sua própria experiência, da sua clarividência relativa às coisas presentes, ou dos conselhos que receba de outros Espíritos. Podendo o seu próprio Espírito ser mais ou menos adiantado, possível lhe é dizer coisas mais ou menos certas.
Pelos fenômenos do sonambulismo, quer natural, quer magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência e da independência da alma e nos faz assistir ao sublime espetáculo da sua emancipação. Abre-nos, dessa maneira, o livro do nosso destino. Quando o sonâmbulo descreve o que se passa a distância, é evidente que vê, mas não com os olhos do corpo. Vê-se a si mesmo e se sente transportado ao lugar onde vê o que descreve. Lá se acha, pois, alguma coisa dele e, não podendo essa alguma coisa ser o seu corpo, necessariamente é sua alma ou Espírito. Enquanto o homem se perde nas sutilezas de uma metafísica abstrata e ininteligível, em busca das causas da nossa existência moral, Deus cotidianamente nos põe sob os olhos e ao alcance da mão os mais simples e patentes meios de estudarmos a psicologia experimental. (Allan Kardec – O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo VIII – p. 233-234)